Escrever um livro capaz de cativar profundamente o leitor não é tarefa fácil, mantê-lo atrelado ao personagens durante toda uma série de cinco livros é um feito invejável para qualquer autor.
A popularização das grandes sagas foi inaugurada com o lançamento de Harry Potter, em 2007. Ao longo dos dez anos em que os seus sete volumes foram lançados, a série arrebatou milhões de leitores de todas as idades, fato inédito na literatura mundial até então. Antes da obra de J.K.Rowling nenhum livro voltada para um público mais jovem provocou tamanha sensação nos quatro cantos do globo por tanto tempo.
Desde então o que se seguiu no mercado editorial foi uma verdadeira corrida em busca do novo Harry Potter. Dezenas de séries de livros foram lançadas e algumas fizeram um sucesso tão retumbante quanto seu antecessor. A saga vampiresca de quatro livros Crepúsculo, da americana Stephenie Meyer, e a trilogia distópica Jogos Vorazes, escrita por Suzanne Collins, lideraram uma nova geração de sagas de sucesso, ganhando adaptações para o cinema e revelando nomes famosos, como Jennifer Lawrence, Kristen Stewart e Robert Pattinson.
A autora do livro Sou fã e agora? e editora de aquisições da Arqueiro, Frini Georgakopoulos, é uma grande fã de sagas literárias. Ainda que não fosse mais adolescente quando o primeiro livro de Harry Potter foi lançado, Frini se tornou uma leitora fã do mundo abrigado em Hogwarts. Em palestra sobre grandes sagas na FLIPOP 2019, Frini declarou a importância desses livros para a sua formação como leitora:
Mudou muito a minha vida porque eu me envolvo muito não só com as histórias, mas com a relação entre personagens. Quando eu li Harry eu resgatei isso, a porta se abriu e não fechou mais. Eu fiquei ‘acabou Harry o que eu vou ler agora?!’ e passei para próxima (saga), pra próxima, pra próxima…
A autora da trilogia Anômalos, Bárbara Morais, cresceu acompanhada de Harry e seus amigos. O primeiro livro foi lançado quando ela tinha 11 anos e o último quando ela completou 17. Desde então sua vida como leitora deslanchou.
Harry Potter foi formativo para mim como leitora, Crepúsculo me fez entrar no mercado e Jogos Vorazes foi o que me fez mudar a forma como eu via essas séries de livros, eu vi que eu podia misturar os interesses que eu tinha sobre política junto com a literatura que eu gostava.
Para Frini a presença de temas importantes misturados a aventura e fantasias levam histórias para além das páginas, provocando um sentimento de continuidade, mesmo quando a leitura já chegou ao fim.
Tanto Harry quanto Jogos Vorazes trazem uma discussão de intolerância, política, de aparências enganam, entre várias outras. Esse tipo de coisa torna esse tipo de livro imortal. Se te move ao ponto de você não conseguir segurar dentro de você, se você quer levar adiante e aí você quer o segundo, você quer o terceiro, você quer o quarto. Quando passa disso é uma grande saga.
Bárbara cita a empatia como um dos elementos poderosos de uma grande saga:
Uma característica de uma grande saga é criar um apreço pelos personagens a ponto de querer saber o que vai acontecer com eles e querer que as outras pessoas os conheçam também. É você ver na história pessoas que você de alguma forma tem algum tipo de empatia, nem que seja ‘eu odeio esse personagem com todas as minhas forças’, mas é o suficiente para te mover e fazer você querer conversar sobre isso.
A série A rainha vermelha foi um desses casos em que o sucesso veio por meio da conexão do público com os caminhos de seus personagens. Escrita por Victoria Aveyard de 2015 a 2018, a série é formada por quatro livros, A rainha vermelha, Espada de vidro, A prisão do rei e Tempestade de guerra.
A saga constrói um mundo dividido pela cor do sangue: vermelho e prateado. Para aqueles com o sangue prateado a natureza deu habilidades poderosas como controlar a água, a terra, os metais e a luz. Tais habilidades inspiram o medo do povo vermelho, que, reduzidos à plebe, vivem para servir e obedecer a elite prateada.
Mare Barrow é uma garota vermelha que consegue um emprego no palácio dos Calore, família manipuladora do fogo e governante de Norta, o reino em que a história se descortina. Durante a primeira prova de uma competição entre pretendentes de Cal, o príncipe herdeiro , Mare revela à si mesma, ao rei e à toda a nobreza o poder de controlar a eletricidade. A partir de então a garota de sangue vermelho com poderes especiais enfrenta intrigas políticas e guerras pelo poder enquanto precisa lidar com seus sentimentos por Cal.
Nascida em um mercado já saturado de séries de livros, a obra da escritora Victoria Aveyard estreou com certa resistência de boa parte do público. A rainha vermelha tinha todos os elementos necessários para chamar a atenção dos leitores, entretanto, a sensação de que o primeiro livro parecia mais uma colcha de retalhos de elementos presentes em outras sagas de sucesso gerou desconfiança.
Essa desconfiança logo se dissipou quando a autora encontrou seu caminho e fez da história de Mare, Cal e dos sangue-novos cativante por si mesma. Durante sua evolução, o enredo criado criado por Victoria faz jus a uma das coisas mais fascinantes de uma saga: a possibilidade de acompanhar o crescimento e a evolução dos personagens ao longo do caminho trilhado nos livros que a compõe.
Em A rainha vermelha testemunhamos o amadurecimento não só de seus personagens, mas também da autora e da própria narrativa. Desvinculando-se de resquícios presentes em A Seleção e Jogos Vorazes, Victoria construiu personalidades caóticas e apaixonantes por suas imperfeições e ganhou uma base de fãs sólida.
Os conflitos travados nos livros amadureceram os personagens, mas cobraram o seu preço. Ao final da jornada temos uma protagonista despedaçada, culpada pela morte do irmão e de um inimigo que outrora fora seu amigo de confiança.
Temos um príncipe que precisa redescobrir seu lugar no mundo sem o peso da coroa em sua cabeça.
E temos um vilão cuja frieza e maldade não são naturais e sim moldados por uma mãe gananciosa, capaz de despedaçar a mente do próprio filho e tirar-lhe o que um ser humano tem de mais precioso: suas lembranças.
O desfecho de A Rainha Vermelha não tem um par romântico prometendo o amor eterno, não tem a redenção de um vilão carismático que arrebatou o coração de muitos e não deixa a promessa de que tudo será perfeito no futuro. Ao dar aos seus fãs o oposto do que se espera de um final perfeito, com a tranquilidade de que seus tão queridos personagens ficarão finalmente protegidos de tudo o que lhes fizeram mal, Victoria construiu uma obra-prima que se manterá viva por muito tempo.
Mare Barrow não teve um começo de jornada arrebatador, mas por meio de seu crescimento e amadurecimento conquistou uma base sólida de fiéis fãs que se manteve até o final. Diana Passy, analista de Marketing da editora Seguinte, acompanhou a chegada de novos leitores vindo de todos os cantos.
Acompanhar o crescimento do fandom de A Rainha Vermelha foi muito gostoso, porque era possível ver as pessoas chegando à série de muitas formas diferentes. Muitas pessoas acompanharam a série desde o início porque eram leitoras de A Seleção, e estavam órfãs com o lançamento de “A escolha”. Outras escolheram apenas uma capa bonita na livraria, ou se interessaram por personagens com poderes especiais. E, a partir do lançamento dos próximos volumes, tivemos um número muito grande de leitores chegando porque foram convencidos por amigos a lerem.
Em 2019 A rainha vermelha despediu-se de seus fãs com uma coletânea definitiva formada por seis contos que registram o passado e o futuro de seus personagens e de Norta. Nela podemos acompanhar a os desfechos pessoais dos conflitos vividos durante a série e conhecemos a fundo os eventos que moldaram alguns dos principais personagens.
Nos contos presentes em Trono destruído passeamos por mapas, registros históricos de Norta e relatórios confidenciais da Guarda Escarlate imprimidos em tinta roxa. Pousamos no diário da rainha Corianne Jacos, primeira esposa do rei Tiberias VI e mãe do príncipe Cal, somos apresentados a dois novos personagens e espiamos o tão esperado reencontro de Mare e Cal.
Escrever um livro de contos para uma história já finalizada pode parecer ganancioso e arrastar uma história que já tinha o seu devido desfecho. Entretanto, em Trono Destruído temos páginas preenchidas com histórias que não têm fim e nem poderiam.
Durante a leitura não nos distanciamos da narrativa e ao final dela não ficamos com a sensação de despedida, mas com a certeza de que os personagens poderiam continuar sendo escritos para sempre.
Aos leitores que amaram A rainha vermelha Diana deixa um recado:
Uma grande prova do sucesso de uma série é isso: que estejam sempre chegando leitores novos, e que aqueles que já são fãs estejam comentando sobre ela com seus amigos. Ver a paixão desses leitores ao longo dos anos foi muito gostoso, e a vantagem de eles perceberem que você os respeita é que eles sempre foram muito gentis conosco também, e faziam o máximo para nos ajudar nas épocas de campanha.
*Ilustração desenvolvida por Murillo Magalhães especialmente para o Vira-Tempo.
O mundo de Mare Barrow é dividido pelo sangue: vermelho ou prateado. Mare e sua família são vermelhos: plebeus, humildes, destinados a servir uma elite prateada cujos poderes sobrenaturais os tornam quase deuses. Mare rouba o que pode para ajudar sua família a sobreviver e não tem esperanças de escapar do vilarejo miserável onde mora. Entretanto, numa reviravolta do destino, ela consegue um emprego no palácio real, onde, em frente ao rei e a toda a nobreza, descobre que tem um poder misterioso… Mas como isso seria possível, se seu sangue é vermelho? Em meio às intrigas dos nobres prateados, as ações da garota vão desencadear uma dança violenta e fatal, que colocará príncipe contra príncipe - e Mare contra seu próprio coração.
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