A dupla sinopse\opinião sempre aparece de mão dadas em um texto sobre livros. O nome do autor fica em segundo plano aparecendo aqui e ali, entre uma linha e outra. Isso é perfeitamente normal, afinal, queremos saber é da história, se ela nos fará querer desbravar o mar que se agiganta por entre as páginas e capítulos do livro. Mas quando o enredo reúne uma cacatua fujona, um trabalho de literatura surpresa de férias e laços de amizade rompidos em um enredo que faz completo sentido, é preciso começar a navegação pela mente de quem construiu o roteiro da aventura.
Mareska Cruz tem a excentricidade até no nome, a autora consegue escrever sobre o dilema de comprar o livro pela beleza da capa, sobre ser atacada por uma barata ou sobre o primeiro livro com a mesma leveza, fluidez e bom humor que escreve sobre assuntos delicados como ansiedade.
A escritora nasceu de uma fonte de novos autores que muitos insistem em apontar como o ponto final da produção literária de qualidade, a internet. Fundadora de um blog que hoje não existe mais, ela exercitou seu dom dedilhando palavra após palavra, nos quais formaram os textos que chamaram a atenção da agente literária Gui Liaga. Por meio da internet a autora, que hoje voltou ao mundo dos blogs, dilapidou o seu dom de expor tudo o que passa por sua cabeça se conectando com os pensamentos de seus leitores.
Sem dúvida é poder ter contato com tantas pessoas e opiniões que talvez eu nunca teria se não fosse a internet. Como eu escrevo para um público bem jovem, é importante ficar de olho no que eles gostam, ouvem, assistem e pensam, e também conversar com outros escritores.
Rodeada por histórias desde pequena a autora conta que sempre amou ler, tendo a companhia dos livros na biblioteca da escola ou em casa, por meio de sua mãe, também uma leitora ávida. Mareska já trabalhou em livrarias e na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, mas apesar da proximidade com as histórias ela nunca imaginou que poderia ser portadora de uma.
A oportunidade de trabalhar em um livro fez Mareska vislumbrar novos horizontes no mundo da literatura. Em entrevista para o portal Conversa Cult ela compartilhou como lembrança a primeira vez em que mandou um texto pronto para a sua agente, Gui Liaga, da agência Página 7. Esse momento desanuviou a certeza de que ela nunca conseguiria escrever o começo, meio e fim de uma história.
Em janeiro de 2019 a antiga livreira lançou sua primeira novela Amizades, cacatuas e outras coisas fora de controle, na Amazon, ocupando por várias semanas o 1° lugar entre os mais vendidos da plataforma em três categorias.
A narrativa tem como protagonistas as adolescentes Antônia e Helena. As jovens têm seus planos para as férias frustrados por um trabalho surpresa de literatura. Antônia fica indignada com a notícia, já que não é nem um pouco fã dos livros e se esforçou durante todo o ano para manter notas aceitáveis na matéria. Como se não bastasse perder seu tão merecido descanso das aulas, ela descobre que o trabalho precisa ser feito em conjunto e que sua dupla é a ex melhor amiga com a qual não conversa há meses, Helena.
Enquanto lidam com os próprios traumas e com o fim da amizade, as duas meninas se veem no meio de uma confusão envolvendo seus amigos intrometidos, uma vidente charlatã e a perseguição a uma cacatua maluca em fuga.
Durante a leitura é possível entender porque a escrita de Mareska capturou a atenção de sua agente. A autora tem habilidade da versatilidade, desbravando vários assuntos delicados como ansiedade, bissexualidade, racismo e autoaceitação com seriedade, mas também humor.
Tendo os laços de amizade como guia a narrativa apresenta duas personagens que não são nada fáceis de serem retratadas. Helena é uma menina negra que sofre com episódios de ansiedade, mas resiste a procurar tratamento e externar suas preocupações e se esforça a todo momento para atender as expectativas das outras pessoas, anulando a si mesma e ignorando comentários preconceituosos sobre seu cabelo cacheado.
Já Antônia é fora dos padrões em todos os sentidos, ela não é como as garotas magras que estampam capas de revistas, estrelam comerciais e atraem a cobiça de meninos e meninas. O mundo diz a ela que deve sentir o contrário, mas Antônia se ama e se aceita do jeito que é. Entretanto, a confiança em si mesma foi construída por meio de muita resistência e persistência, que semearam nela a desconfiança e a disposição para bater de frente com qualquer um à sua volta.
Padrões de beleza e na sociedade em geral são feitos para serem inatingíveis, deixando as pessoas num estado eterno de insatisfação consigo mesmas ao mesmo tempo em que criam essa necessidade de se adequar a ele para serem aceitas. Alguém que desafia tudo isso faz com que as pessoas sejam obrigadas a repensar prioridades e padrões, e na maioria das vezes a reação a isso é de hostilidade.
Ao longo da história descobrimos as nuances das personagens e começamos a entender o que levou as amigas a se afastarem. A dificuldade em partilhar os próprios problemas e a ideia de que é preciso enfrentar tudo sozinho, sem dividir o fardo com aqueles que mais amam, e resistir às tormentas em silêncio para impedir um suposto fracasso como seres humanos, abriu um precipício entre Helena e Antônia.
Mareska explica que a ideia de escrever o livro veio da necessidade de, por meio da amizade, mostrar que tudo bem precisar de ajuda para resolver algumas questões e que isso não torna ninguém fraco.
Amizades, cacatuas e outras coisas fora de controle é uma história divertida e, acima de tudo, necessária. Nela, paramos pelo tempo que precisamos para ouvir os pensamentos mais íntimos das personagens como se fossemos seus melhores amigos e terminamos a leitura com a sensação de ter escutado o eco de nossas próprias inseguranças e hesitações, que, na maior parte do tempo, empurramos para dentro de nós mesmos.
Houve uma grande preocupação em tratar dos temas de forma responsável e de modo a não reproduzir preconceitos ou pensamentos equivocados. Eu precisava garantir que as pessoas que fossem ler meu texto e se sentir representadas pelos personagens iam ser respeitadas.
*Ilustração desenvolvida por Hannah especialmente para o Vira-Tempo.
Antônia e Helena só queriam calma e tranquilidade durante as férias. Mas era claro que não seria fácil assim. Um trabalho de literatura de última hora definitivamente não fazia parte dos planos de ninguém, ainda mais sendo em dupla! E o pior: teriam que fazer juntas. Logo elas, ex melhores amigas de infância que não se falavam há meses. No meio de muita confusão e mágoas, as duas garotas terão que se autodescobrir em uma jornada complicada, com amigos levemente intrometidos, uma vidente mal-educada e a razão do fim da amizade, que pode ou não ter origem em seus próprios problemas e traumas. Isso, é claro, se conseguirem primeiro sobreviver àquela maldita cacatua.
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