O Sick-lit é um gênero literário adolescente, suas obras são protagonizadas por jovens com doenças graves como câncer e depressão. Esse termo surgiu em 2013, ano em que os livros com esse tema ganharam o topo da prestigiada lista de best-sellers do jornal americano The New York Times, posição ocupada frequentemente por fantasias e romances adolescentes. Os livros A Culpa é das Estrelas, de John Green, e As Vantagens de Ser Invisível, escrito por Stephen Chbosky, são duas das obras precursoras do gênero e influenciaram uma nova geração de escritores YA.
Há quem se oponha ao Sick-lit, com o argumento de que falar abertamente sobre temas tão delicados pode fomentar a incidência de suicídios, anorexia e outros distúrbios psicológicos, e classificam as obras como produtos mercadológicos que sensacionalizam o sofrimento dos jovens.
Em artigo publicado como resposta a ascensão do segmento, o tablóide britânico Daily Mail aponta a diminuição da popularidade dos livros sobre vampiros como o motivo da ascensão do Sick-Lit. O texto afirma que os editores têm procurado encontrar o próximo negócio lucrativo na ficção jovem adulta. A reportagem classificou o Sick-lit como fenômeno perturbador que não poupa detalhes ásperos sobre a realidade de doenças terminais, depressão e morte.
Em oposição às críticas feitas pelo Daily Mail a jornalista Michelle Pauli, em texto para o The Guardian, afirma que o Sick-lit é uma ficção para jovens adultos, que se atreve a lidar com situações da vida real, em vez de dragões, bruxos e romances de vampiros.
Doença, depressão, sexualidade – esses são problemas que os adolescentes irão enfrentar em suas vidas, diretamente ou indiretamente, por meio de familiares, amigos ou representações em outras mídias, como TV, filmes e internet. O Daily Mail parece estar sugerindo que é inadequado que essas questões sejam analisadas no único lugar em que assuntos difíceis têm tradicionalmente sido mais sensivelmente explorados por adolescentes: ficção escrita especificamente para eles.
Por meio das vivências de seus personagens a literatura exercita o aprendizado e a empatia e põem um holofote em questões obscurecidas pelo conservadorismo e receio causado pela ignorância a respeito de certos assuntos, o que impede o amadurecimento e o conhecimento de mundo e de outras realidades por vária gerações de jovens.
Falar sobre mazelas e desfazer tabus sempre foi difícil. Sabemos a importância de tocar nesses assuntos, mas somos impedidos de deixá-los sair de nossas bocas pelos vários anos em que fomos impelidos a sentir medo de sua proximidade. Mas um bom livro, que trate de assuntos delicados com responsabilidade e qualidade, é capaz de dizer o que não conseguimos de forma compreensiva e acolhedora.
Após o lançamento de A Culpa é das Estrelas, em 2012, John Green afirmou não saber se conseguiria escrever novamente, pois se sentia pressionado pelo estrondoso sucesso de seu quarto livro. Para ele, escrever é uma forma segura de expressar seus pensamentos, mas essa sensação de liberdade o deixou repentinamente e ele não sabia se conseguiria retomá-la.
Retomou, e em 2017 escreveu o livro mais pessoal e uma personagem que muito se assemelha a ele mesmo e personifica seus pensamentos mais profundos. Tartarugas Até Lá Embaixo conta a história de Aza Holmes, uma adolescente que tem transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e, ao lado de sua amiga Daisy, começa uma caçada em busca de pistas para encontrar um magnata desaparecido. Aza batalha diariamente com pensamentos intrusivos que vagueiam por sua mente e a fazem temer contrair bactérias capazes de a matar instantaneamente.
Assim como sua personagem John tem TOC, em um vídeo que fez para seu canal no youtube, o autor explica que transtornos psicológicos não são perceptíveis aos nossos olhos. Por isso, o transtorno obsessivo-compulsivo vai muito além de lavar as mãos várias vezes ao dia ou garantir que tudo esteja limpo o tempo todo.
Eu entro em espirais de pensamento obsessivo, que é quando pensamentos intrusivos, ou seja, indesejados, parecem surgir de fora e sequestram minhas consciência. Todo mundo já teve a sensação de não conseguir controlar os próprios pensamentos, a diferença, comigo, é que essas espirais de pensamento obsessivo acontecem o tempo todo e podem durar dias, semanas ou meses.
Por meio de Hazel, John conseguiu fazer-se ouvir por aqueles que nunca poderiam escutar ao menos um sussurro de seus pensamentos. A personagem é invadida por pensamentos desconcertantes a todo momento, e é impedida de se relacionar com amigos, com a mãe e com um interesse romântico como uma adolescente normal. Isso faz da história de Hazel especial e diferente, mas sem pretensão alguma.
Hazel não é uma garota especial, que vê um mundo por uma lente diferente dos demais e quando descobre o quão importante e especial ela é tudo se resolve e ela abraça e acolhe seus pensamentos intrusivos como se fossem amigos indesejados, mas que se tornam bem-vindos.
O livro parece ser um diário da personagem e de seu autor, por isso é um retrato honesto do que é conviver com um transtorno mental, sem romantismos, sem uma camada espessa de maquiagem para encobrir sua brutalidade e imperfeições. Hazel não é uma heroína e nem mesmo a protagonista da própria história. Hazel é um ser humano quebrado que tenta remendar-se e seguir em frente apesar de si mesma. Ela nos perturba e provoca o entendimento de que nossos pensamentos, e, principalmente, transtornos psicológicos não são bonitos.
Quando eu comecei a escrever o livro que acabou se tornando o Tartarugas até lá embaixo, eu queria tentar mostrar e expressar com é essa experiência difícil e não sensorial de viver preso dentro de espirais de pensamento. A história é ficcional, pura ficção, mas a ideia foi pensar como seria a vida dessa garota de 16 anos, Aza Holmes, que está tentando ser uma boa filha, uma boa amiga e uma boa aluna, talvez até uma boa detetive, enquanto convive com essas terríveis espirais de pensamento obsessivo que ela não consegue ouvir, mas que nem por isso deixam de ser bem reais.
*Ilustração desenvolvida por Luve s especialmente para o Vira-Tempo.
A história acompanha a jornada de Aza Holmes, uma menina de 16 anos que sai em busca de um bilionário misteriosamente desaparecido – quem encontrá-lo receberá uma polpuda recompensa em dinheiro – enquanto tenta lidar com o próprio transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
Repleto de referências da vida do autor – entre elas, a tão marcada paixão pela cultura pop e o TOC, distúrbio mental que o afeta desde a infância –, Tartarugas até lá embaixo tem tudo o que fez de John Green um dos mais queridos autores contemporâneos. Um livro incrível, recheado de frases sublinháveis, que fala de amizades duradouras e reencontros inesperados, fan-fics de Star Wars e – por que não? – peculiares répteis neozelandeses.
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