Entrevista com Diana Passy, analista de marketing da Companhia das Letras

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Entrevista com Diana Passy, analista de marketing da Companhia das Letras

Diana Passy pode ser considerada uma das referências no mercado literário jovem brasileiro. Participou ativamente da criação da Seguinte, selo jovem da editora Companhia das Letras, onde hoje é responsável pelo marketing.

Em 2017, criou a FLIPOP, festival de literatura pop da Seguinte focado nos jovens leitores, um espaço para reunir diversas editoras e autores em três dias de discussões, sessões de autógrafo e venda de livros. Esse é o primeiro evento do gênero no país. 

Na entrevista a seguir, Diana fala da sua trajetória profissional, da importância da literatura jovem, dos desafios em organizar a FLIPOP e das séries A seleção e A Rainha Vermelha, grandes sucessos da Seguinte nos últimos anos.

Como você entrou na Companhia das Letras? Por que escolheu trabalhar com literatura jovem?

Eu entrei na Companhia das Letras em 2009, como estagiária do departamento de direitos estrangeiros. Em 2010 passei para o departamento de comunicação e, com a criação do selo Seguinte em 2012, esse passou a ser meu foco. Escolhi trabalhar com literatura jovem  tanto por ser uma categoria de livros de que gosto muito, quanto porque sei a importância que livros tiveram na minha adolescência e gostaria de ajudar outras pessoas a encontrarem seus livros favoritos também. Eu já trabalhei com outros tipos de livros, mas a energia que os leitores jovens trazem para esse meio é única.

Hoje em dia várias das editoras têm seus próprios selos jovens. Por que  a criação de um selo voltado especificamente para esse público se faz necessário para uma editora com mais de 30 anos de existência como a Companhia das Letras, por exemplo? Qual é a importância deste segmento literário para o mercado  e para o desenvolvimento da literatura entre os jovens? 

Ter selos bem definidos dentro de uma editora é uma necessidade para conseguirmos trabalhar mercados diferentes. Tanto internamente, com os diversos departamentos sabendo instintivamente como trabalhar cada livro de acordo com o perfil do selo, quanto externamente,  com as livrarias sabendo como categorizá-lo, e com os leitores sabendo que a chance de eles gostarem de um novo lançamento é maior se ele faz parte de um conjunto de obras pelo qual ele já se interessa. Nesse sentido, percebeu-se em 2011 que, por mais que a Companhia das Letras tivesse um catálogo bastante extenso, havia segmentos que estávamos deixando de lado. Existia a Cia. das Letras, porém não era um selo reconhecido pelo público (achava-se que era a abreviação do selo principal), e sua linha editorial  ainda pensava a literatura através do intermédio de pais e professores, na maioria dos casos. O que percebíamos é que o público jovem estava adquirindo autonomia para escolher suas leituras, e precisávamos de títulos e de uma divulgação que conversasse diretamente com ele.

Essa aquisição de autonomia é um dos pontos mais importantes desse segmento. Todos os índices de leitura mostram que a fase escolar é aquela em que os brasileiros mais leem, e há uma queda brusca quando eles entram na vida adulta. Ter uma literatura jovem bem desenvolvida não é apenas questão de desenvolver as habilidades de leitura: é uma questão de apresentá-lo para toda uma gama de histórias possíveis, para que ele seja capaz de tomar suas próprias decisões (tanto de vida quanto de leituras) quando não tiver mais amparo da escola e da família.

Durante muito tempo a literatura jovem foi alvo de preconceito  e ainda hoje enfrenta certa resistência por parte de pessoas que afirmam  que esse tipo de literatura é superficial e puramente mercadológica. Com base nas suas experiências na Seguinte, como você avalia esse tipo de opinião? 

Qualquer coisa feita para adolescentes (principalmente garotas adolescentes) é automaticamente taxada de superficial. A literatura infantil é vista como algo educativo, literatura adulta é cultura. A literatura jovem é vista como entretenimento, como algo menor que está apenas distraindo adolescentes que deveriam estar fazendo outra coisa (lendo Livros De Verdade, ou estudando, ou procurando um emprego). É tudo preconceito, claro. A literatura jovem é capaz de abordar temas complexos como qualquer outra, e tem diverso estilos e gêneros como a literatura adulta. A única forma de achar que todo um segmento cabe dentro de uma caixinha dessas é por desconhecimento.

A literatura jovem é capaz de abordar temas complexos como qualquer outra, e tem diverso estilos e gêneros como a literatura adulta.

Essa nova geração, nativa da internet, é uma geração que gosta menos de  ler ou a ideia de que o jovem naturalmente não lê é um ponto de vista equivocado?  Por quê?

Acho que primeiro é importante definir o que conta como leitura. O jovem passa o dia inteiro lendo threads e posts e fanfics (e escrevendo muito também). O interesse das pessoas por histórias nunca muda, o que pode mudar é a forma como essas histórias chegam  elas. Mas mesmo quando restringimos a leitura a ficção, ou a ficção longa: eu acho que a internet na verdade ajuda a conectar os jovens aos livros. Porque é uma faixa etária em que o senso de comunidade é muito forte, e a internet facilita o encontro entre pessoas com os mesmos interesses. Antes você talvez fosse a única pessoa da sua sala que gostava de ler, e talvez isso te desanimasse. Hoje em dia isso não importa porque você está em contato com muitas outras pessoas do país inteiro que gostam daquilo tanto  quanto você, e isso te estimula a continuar lendo.

De que forma a Seguinte agrega a internet ao trabalho do dia a dia? As plataformas digitais ajudam a estimular o engajamento do público com as obras publicadas? 

O advento das redes sociais mudou muito como as editoras funcionam. Até pouco tempo atrás, o único feedback que tínhamos sobre as publicações vinha de livreiros ou de pessoas que mandavam emails através do site da empresa (algo que normalmente só é feito quando

você tem uma reclamação). Não existia de fato um contato direto com o leitor. Então se um livro ia bem ou mal, só conseguíamos criar teorias sobre os motivos: não gostaram da capa, ou o tema não era tão relevante quanto imaginamos, ou o estilo de narrativa não agradou? Com as redes sociais, conseguimos acompanhar a opinião dos leitores desde o anúncio da publicação, meses antes do livro estar pronto. Mais do que uma forma de divulgar produtos, as redes sociais funcionam para nós como o melhor termômetro para saber qual é nosso público e o que eles valorizam.

O que você leva em consideração ao escolher as obras a serem publicadas  e quais as características essenciais para que uma história conquiste o jovem leitor?

A Seguinte lança pouco mais de 20 livro por ano (incluindo continuações de séries), então somos bastante seletivos com o que é publicado. Qualidade da escrita e originalidade são fundamentais, mas também é importante que a história faça sentido para o nosso catálogo. Como parte do Grupo Companhia das Letras, levamos muito a sério a ideia de publicar livros que resistam à passagem do tempo, então acabamos não publicando o que se pode chamar de “obras de oportunidade”, que ficam pouco tempo nas estantes. 

É difícil definir o que procuramos nas histórias: que elas sejam cativantes, que conversem com os jovens de igual pra igual, que tragam personagens bem desenvolvidos. Fica muito claro no texto quando o autor subestima os adolescentes, e mesmo uma ideia brilhante pode morrer na praia se for escrita da forma errada.

A Seleção foi o primeiro livro publicado pelo selo e foi indicado por você. O que te chamou a atenção na história criada pela autora Kiera Cass? Como foi a experiência de trabalhar na publicação dele? E qual a importância da série não só para a Seguinte, mas também para o segmento no Brasil? 

O que me atraiu em “A Seleção”logo de cara foi a ideia: 35 garotas participam de um concurso para casar com o príncipe, mas a protagonista não está interessada. Quando a ideia de um livro pode ser resumida em uma ou duas frases, chamamos o livro de high concept e é algo que facilita bastante na hora de divulgá-lo. Li o livro em dois dias, o que é sempre um bom sinal, e gostei bastante que, por mais que a história tivesse fatores previsíveis, a condução da narrativa te prendia o suficiente para  você se envolver com os personagens. O mais importante em uma leitura não é se ela vai casar com o príncipe ou não (já sabemos que provavelmente a resposta é sim), mas como vamos chegar lá. E a leitura me garantiu que esse percurso era cativante. Fora isso, achei original que, numa época de muitas distopias sobre plebeus tentando derrubar o governo, estávamos vendo uma história que trazia esses problemas vistos de dentro do palácio e da família real. E também que o fato de Maxon ser um príncipe era visto como um dos maiores empecilhos para o romance, ao invés do fator decisório. Ter A Seleção como um de nossos primeiros lançamentos foi ótimo porque permitiu que nós déssemos muito mais atenção aos livros e ao fandom do que conseguimos fazer hoje em dia, por exemplo, que temos mais livros publicados para divulgar e acompanhar a performance. Ter conseguido uma reação tão forte de leitores desde o começo facilitou que abríssemos as conversas com eles e aprendêssemos com rapidez o que era importante para eles, e que pudemos incorporar ao nosso modo de trabalho.

Diana trouxe ao Brasil um dos maiores sucessos dos últimos anos
Imagem: Divulgação

A série Rainha Vermelha, que chegou ao fim em 2019, também fez um enorme sucesso entre o público jovem. Como foi desenvolver este projeto ao longo dos quatro anos desde a publicação do primeiro livro? Por que a história da autora Victoria Aveyard conquistou tantos fãs? 

Acompanhar o crescimento do fandom de Rainha Vermelha foi muito gostoso, porque era possível ver as pessoas chegando à série de muitas formas diferentes. Muitas pessoas acompanharam a série desde o início porque eram leitoras de A Seleção, e estavam órfãs com o lançamento de “A escolha”. Outras escolheram apenas uma capa bonita na livraria, ou se interessaram por personagens com poderes especiais. E, a partir do lançamento dos próximos volumes, tivemos um número muito grande de leitores chegando porque foram convencidos por amigos a lerem. Uma grande prova do sucesso de uma série é isso: que estejam sempre chegando leitores novos, e que aqueles que já são fãs estejam comentando sobre ela com seus amigos. Ver a paixão desses leitores ao longo dos anos foi muito gostoso, e a vantagem de eles perceberem que vocês os respeita é que eles sempre foram muito gentis conosco também, e faziam o máximo para nos ajudar nas épocas de campanha. 

Como surgiu a ideia de criar a FLIPOP? Quais os desafios de organizar o evento? 

A Flipop surgiu justamente desse tipo de interação, por percebermos que existia uma comunidade de jovens leitores e que não havia até então um evento focado neles. O Grupo Companhia das Letras participa de muitos eventos, cada um com seus focos e suas particularidades, e sentíamos que existia essa lacuna no mercado. Ao invés de ficar esperando que alguém tomasse a iniciativa, decidimos usar nossos recursos e conhecimentos para criarmos nós mesmos o festival com que sonhávamos. A maior dificuldade vem justamente pelo festival nascer dessa  forma peculiar: organizada por uma editora, mas que abraça o que seriam os concorrentes também. Nós acreditamos que é vantajoso que todas as editoras trabalhem juntas para desenvolver esse mercado, mas é comum que haja desconfianças entre quem não está acostumado a trabalhar assim. Além disso, o festival é todo organizado em paralelo às atividades normais da editora. Não há uma equipe especial para isso, então é um serviço a mais que eu e os outros envolvidos abraçamos por acreditarmos no projeto.

A Flipop surgiu justamente desse tipo de interação, por percebermos que existia uma comunidade de jovens leitores e que não havia até então um evento focado neles.

Quais as novidades e avanços da terceira edição em comparação com as  primeiras, realizadas em 2017 e 2018?  

A edição de 2017 foi organizada totalmente por nós, e na de 2018 já abrimos para a participação de outras editoras. Os três grandes avanços da edição de 2019 foram 1) aumentar o número de editoras apoiadoras (foram 13 este ano além de nós, e conseguimos reunir empresas como Rocco e Record no projeto), 2) ter as próprias editoras fazendo suas vendas, algo que não era possível nos espaços anteriores e que proporciona um contato direto delas com os leitores, e 3) fazermos o evento no Centro Cultural São Paulo, que além de ter uma localização ótima já reúne um público jovem amplo normalmente, então o festival se encaixou perfeitamente no perfil do local.

A terceira edição da FLIPOP cresceu e contou com a participação de várias editoras apoiadoras. Foto: Anne Karr

O que a idealização  da Flipop te ensinou sobre o mercado editorial e o público jovem?

Fazer a Flipop me ensinou que existem muitos jovens lendo no Brasil sim, e que para eles aparecerem é só uma questão de dar-lhes espaço. Também ficou claro que a literatura nacional não deixa nada a desejar em relação à estrangeira, e que os leitores sabem disso e estão cada vez mais exigentes. O mercado passa por muitas dificuldades, mas esses três anos de organização me mostraram que tem muita gente boa trabalhando nele, pessoas que sabem que chegaremos mais longe se somarmos esforços.

Ficou claro que a literatura nacional não deixa nada a desejar em relação à estrangeira, e que os leitores sabem disso e estão cada vez mais exigentes.

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